organizador: João Roberto Maia, José Roberto Franco Reis e Leandra Brasil da Cruz
Nesta coletânea de ensaios, treze pesquisadores de diversas áreas do conhecimento refletem sobre a loucura no amplo e multifacetado âmbito da cultura.
Romances, contos, textos memorialísticos, teatro, cinema e outras produções ensejam o pensamento sobre os "desvios da razão", sob ponto de vista da crítica literária e cultural, da historiografia e sociologia e do vasto campo da saúde mental.
O subtítulo: “trilhas literárias, culturais, históricas” abre significados. Se trilha remete a vestígio, vereda, buscam-se aqui rastros da loucura, fugas do caminho de uma psiquiatria ortodoxa, que busca dominar a insânia, reduzindo-a a distúrbio mental.
Os autores não pretendem definir a loucura; ao contrário, contribuem para ampliar e aprofundar o pensamento sobre as questões relativas ao complexo campo da insanidade mental. Tampouco buscam na arte e na cultura produzida pelos loucos um sintoma de seu psiquismo. Os textos que compõem este volume nos levam a refletir sobre o papel da arte-cultura como pistas na mediação e diálogo entre as diversas formas de ser e de se relacionar.
Trilhas na Ficção, na Poesia e no Romance Gráfico
No capítulo que abre a primeira parte do volume, Elton Corbanezi analisa a ironia corrosiva do narrador no conto de Machado de Assis "O Alienista". No capítulo seguinte, saltamos para a cena literária internacional, com um ensaio a respeito da obra de Sylvia Plath, um dos principais nomes da poesia inglesa do século XX.
No terceiro capítulo, Victor Lemus questiona a suposta loucura do famoso fidalgo Dom Quixote. No clássico, em que se associam literatura, leitura e loucura, onde se vê desvario, para Lemus, opera a imaginação literária, que amplia a elaboração de mundos possíveis.
No ensaio seguinte, fechando a primeira parte do livro, Luiz dos Santos e Cristina Facchinette abordam a história em quadrinhos ou romance gráfico de Art Spiegelman Maus: a história de um sobrevivente, tida como marco de legitimação das HQs como gênero literário.
Trilhas nas Artes Plásticas, no Teatro e no Cinema
Abrindo a segunda seção do volume, Leandra Brasil da Cruz, a partir de duas autobiografias adaptadas ao cinema, Canto dos Malditos e Bicho de Sete Cabeças, aborda o complexo processo social da reforma psiquiátrica brasileira e o papel da arte, especialmente a produzida por autores em tratamento ou com diagnóstico psiquiátrico.
Em seguida, Lucrecia Corbella relaciona Sartre, o teatro de Luigi Pirandello e a peculiar experiência da companhia de teatro carioca Andarilhos Mágicos.
No sétimo capítulo, Eduardo Henrique Guimarães Torre faz um resgate histórico da psiquiatria brasileira, destacando o surgimento da luta antimanicomial no país. O autor apresenta uma profusão de projetos de arte e cultura que criaram formas emancipatórias de transformação do lugar social da loucura.
No oitavo ensaio, Walter Melo desenvolve uma análise sobre a obra do artista plástico Darcílio Lima (que frequentou a Casa das Palmeiras, fundada por Nise da Silveira) e a influência mútua entre ele e o também artista Ivan Serpa.
Marcos Paulo do Espírito Santo reflete, no capítulo seguinte, sobre a centralidade do tema da expressão - e não, da loucura - na arte e reflexão intelectual do poeta francês Antonin Artaud.
No último capítulo desta seção, Kaira Marie Cabañas discute a concepção de arte no contexto da psiquiatria no pós-guerra.
Trilhas no Memorialismo: testemunhos, ficção e realidade
O relato de Lima Barreto de sua experiência no manicômio é analisado no capítulo que abre a última seção do volume. João Roberto Maia assinala a atualidade da obra de Lima, no qual é incontornável o vínculo entre negritude, pobreza e preconceito racial e de classe.
No penúltimo texto, José Roberto Franco Reis se debruça sobre as lembranças do psiquiatra Haim Grunspun e suas viagens de trem para a instituição psiquiátrica Juquery, nos anos 1940.
Por fim, Yonissa Marmitt Wadi apresenta a vida e obra de Rodrigo de Souza Leão. Definido como esquizofrênico, Souza Leão deixou uma obra rica, em que pensou não só a estranheza da loucura, mas também a violência institucional, ˜entrelaçando o vivido com o ficcional".
Estados de ser
Nos ensaios desta coletânea propõe-se investigar esse tormentoso, multifacetado e instigante tema dos “enumeráveis estados de ser”, expressão de Antonin Artaud replicada por Nise da Silveira, denominados loucura, com as lentes da literatura, das artes em geral e da história.
Seguir as "provocações das trilhas sem fim e sem destino certo, acompanhados por Simão Bocamarte, Sylvia Plath, Don Quixote, Austregésilo Carrano, os Andarilhos Mágicos, Darcílio Lima, Ivan Serpa, Antonin Artaud, Lima Barreto, Souza Leão, Haim Grünspun, Art Spiegelman e muitos outros", é o convite dos organizadores do volume.
“A beleza e a importância deste livro residem exatamente no fato de que tanto a arte quanto a loucura e a história não permitem conclusões apressadas, deduções definitivas ou teorias inquestionáveis. Mas provocam. E aí está parte da criação e reinvenção da vida que a confluência desses três campos possibilita. Uma múltipla encruzilhada de trilhas e passagens” - defendem os organizadores, também autores, na apresentação da obra.
Coleção Loucura & Civilização
A coleção Loucura & Civilização, a que pertence o livro, abrange estudos voltados para a qualificação do debate, da produção teórica e da construção de novas formas sociais e técnicas de lidar com a loucura, a doença mental e o sofrimento humano.
Sobre os organizadores
João Roberto Maia (organizador): Doutor em letras vernáculas; professor e pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz e professor colaborador no Programa de Pós-Graduação em Letras (Ciência da Literatura) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
José Roberto Franco Reis (organizador): Doutor em história social; pesquisador do Observatório História e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz.
Leandra Brasil da Cruz (organizadora) :Psicóloga, mestre em psicologia social; pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz, instituição na qual é também coordenadora adjunta e professora do curso de Especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial.
1a edição: 2023. 312 p. : il. (Coleção Loucura & Civilização) | 312 páginas
ISBN: 978-65-5708-180-8
eISBN:9786557082171
Sumário
Prefácio
Apresentação
I - Trilhas na Ficção, na Poesia e no Romance Gráfico
1 - O Conceito de Ironia como Potência Crítica em O Alienista: ciência, poder e sociedade
Elton Corbanezi
2 - O Encanto dos Saberes Médico-Psicológicos por Sylvia Plath: “I guess you could say I’ve a call” ou “Vão dizer que tenho vocação”
Sílvia Rodrigues Jardim
3 - O Quixote: leitor, leitura, loucura
Víctor Lemus
4 - Trauma e Neurose em HQs: a autobiografia de um judeu americano
Diego Luiz dos Santos e Cristiana Facchinetti
II - Trilhas nas Artes Plásticas, no Teatro e no Cinema
5 - Cinema e Loucura no Contexto da Reforma Psiquiátrica Brasileira: o Canto dos Malditos e o Bicho de Sete Cabeças
Leandra Brasil da Cruz
6 - Sartre, a Experiência Vivida, a Loucura na Perspectiva do Teatro de Pirandello e a Companhia Andarilhos Mágicos
Lucrecia Corbella
7 - Arte e Loucura: criação e resistência, da história da psiquiatria ao movimento de reforma psiquiátrica no Brasil
Eduardo Henrique Guimarães Torre
8 - Darcílio Lima, Ivan Serpa e o Dinamismo da Matéria
Walter Melo
9 - Antonin Artaud Para Além da Loucura
Marcos Paulo do Espírito Santo
10 - Dentro e ao Redor de Saint-Alban, 1945-1952
Kaira Marie Cabañas
III - Trilhas no Memorialismo: testemunhos, ficção e realidade
11 - Lima Barreto: a razão diligente no Diário do Hospício
João Roberto Maia
12 - Trem para o Juqueri: memórias, relatos e impressões de um jovem estudante de medicina sobre a “miséria das misérias” de um hospital psiquiátrico na década de 1940
José Roberto Franco Reis
13 - Do Caos à Obra: uma antologia de Rodrigo de Souza Leão
Yonissa Marmitt Wadi
Em acesso comercial no SciELO Livros